O eterno retorno - F. Nietzsche

12/03/2018

Esses dias revisitei o meu T.C.C. da faculdade que tinha ficado totalmente esquecido.... muito teórico, eu pensava não tem nada a ver com a minha prática, foi sobre o Assim Falou Zaratustra de F. Nietzsche e eu achava que conversava muito mais com um Arthur mais novo, cheio de idéias revolucionárias que foi estudar filosofia em Paris para se tornar um grande filósofo e que logo se deparou com a incongruência de uma proposta totalmente idealizada e no fundo desconectada de uma verdade interna.

Acho que a psicologia, através da auto-reflexão, nasceu em mim naquele momento, nesse retorno ao que é essencial e pessoal e é desse retorno ao essencial que quero falar aqui brevemente a partir da narrativa de Nietzsche.

Heidegger postula um processo de desenvolvimento humano que se dá em dois modos de ser: autêntico e inautêntico. Autêntico é aquele que reconhece a diferença entre o humano e o não-humano. O homem torna-se autêntico quando se apropria de suas escolhas e responsabilidades, ao assumir a sua subjetividade e saindo da impessoalidade, na qual está imerso o ser inautêntico. A revelação do verdadeiro eu só é presumível quando procurada a partir do isolamento, no qual o homem deixa de se contagiar pelos aspectos compartilhados da vida cotidiana. O ser inautêntico está perdido dentre os outros e abdica a sua singularidade para justificar os seus atos pelo impessoal, pretere a subjetividade em benefício do conforto que lhe proporciona a passividade, que impossibilita o reconhecimento de sua responsabilidade frente aos seus atos. 

É com a autenticidade em mente que podemos apreender a proposta de Nietzsche de Eterno Retorno: enquanto a filosofia da história elaborada pelo cristianismo enxerga o tempo como vetor retilíneo: tudo começa na Gênesis da criação, para terminar-se com o apocalipse. Em contraponto, Nietzsche apresenta uma tese que propõe para o homem, a mais problemática e árdua ponderação sobre a sua própria vivência: encontrar uma forma de reconciliar-se com a sua existência, para que ele deseje para si verdadeiramente tudo aquilo que ele veio-a-ser e que ele virá-a-ser. Para tanto, o homem deve defender o retorno inexaurível dessa existência, visto como tão-somente deste modo será capaz de volver-se para si mesmo e enxergar a sua real volição, recusando as ruminações morais sobre o passado. A representação dada do tempo é logo espiral, o imperativo é almejar o retorno infinito dessa existência, para estar em pleno concerto com ela, para aceitar a sua necessidade ontológica (ela não poderia ser outra do que é) e a sua benfeitoria (ela é esta e isso é uma benção). 

Segundo Daniel Pimbé (1997), o último homem (nome que Nietzsche dá ao homem moderno) é para o que tende o servo vitorioso da modernidade, é o homem do fim dos tempos, do fim da história. O último homem "(...) já não lança a flecha de seu anseio por cima do homem (...). Sua espécie é inextinguível (...). Aproxima-se o tempo do homem mais desprezível, que já não sabe desprezar a si mesmo (AFZ, p12)". Sua raça é indestrutível, pois nada mais acontece no fim da história. A luta dos escravos contra os mestres que ocorreu ao longo de toda a história agora se termina, o futuro do último homem é repetitivo e interminável, um eterno retorno da mesquinhez. E quando o último homem encara o seu passado o faz com ironia condescendente desprezando seus antepassados.

A verdade única é em última instância a perdição do último homem, enquanto esse se afaga com seu confortável entendimento do mundo, a subjetividade e a riqueza poética da alma humana são consequentemente descartadas em prol de uma realidade fria e objetiva, no qual o cálculo científico não tolera o humanismo. A autotranscedência defendida por Nietzsche não deve igualmente ser confundida com uma recusa da condição humana, o que é representado pelo super-homem é a evolução enquanto essência da condição mesma do ser humano; em efeito o que se proclama no discurso de Zaratustra é o distanciamento aprendido do último homem para com a sua real essência. Porquanto, define-se a filosofia de Zaratustra como um retorno ao essencial, um reencontro com o que há de mais humano e fundamental no íntimo da alma, a criança, última metamorfose do caminho do super-homem.

O ser humano não é um ser regulado pelo fatalismo, ele necessita criar o seu próprio roteiro e porquanto existir para si mesmo. O que o define enquanto essência é a potencialidade infinita, a vontade de potência (tanto de obter a potência que não se tem, quanto de utilizar-se de uma pulsão energética de vida). O drama de sua liberdade nasce da sua total falta de referências que ofereçam um suporte paternal, seguro e tranquilizador. Assim, ao se deparar com o absurdo de sua existência consciente, o ser humano experimenta a angústia, que, em última instância, é o motor que o impele ao movimento, a transcender a sua condição primeira de desamparo. Observamos, no entanto, que o último homem, ao experimentar a angústia, prefere se abolir enquanto sujeito de suas ações e preterir-se da responsabilidade de sua própria existência, transferindo o seu destino para uma entidade reguladora imaginária (seja ela a ciência, a religião, o estado...).

E isso foi em 1883-85, o que Nietzsche diria do homem de hoje se ele ainda estivesse vivo?


Referências:

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback, Petrópolis: Vozes, 2002.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.

PIMBÉ, Daniel. Nietzsche. Fonte digital: Pierre Hidalgo, 1997.  

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